26/05/2009

Álvaro de Campos

TABACARIA
"(...)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.
Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.
(...)"
15-1-1928
1ª publ. in Presença, nº 39. Coimbra: Jul. 1933

1 comentário:

Anónimo disse...

Tantos pintores.

A realidade comovida agradece
mas fica no mesmo sítio
(daqui ninguém me tira)
chamado paisagem


Tantos escritores

A realidade comovida agradece
E continua a fazer o seu frio
Sobre bairros inteiros, na cidade, e algures


Tantos mortos no rio

A realidade comovida agradece
porque sabe que foi por ela o sacrifício
mas não agradece muito

Ela sabe que os pintores
os escritores
e quem morre
não gosta da realidade
querem-na para um bocado
não se lhe chegam muito pode sufocar


Só o velho moinho do acordeon da esquina
rodado a manivela de trabuqueta
sem mesura sem fim e sem verdade
dá voltas à solidão da realidade

Mário Cezariny, A cidade Queimada, 1965

MCM